O Último Tango em Paris
Se há como definir em econômicas palavras – algo extremamente arriscado – o filme “O Último Tango em Paris”, não hesitaria em dizer que os traços das neuroses psico-sociais são uma marca acentuada tratada com a excelência de quem sabe o que faz. E, acrescentando, não poderia deixar de apreciar a beleza das imagens. E que imagens…! Elas são de uma composição artística que chego a compará-las a uma pintura clássica, ricas em todos os detalhes, e sempre insinuando algo que vai além delas mesma, se coadunando com as demais propostas do filme. Uma viagem lúdica, eu diria. Esse é um filme onde se misturam arte, filosofia e ciência, comprovando a tese de que o cinema é muito mais que diversão para as massas. Tamanha é a sua complexidade que às vezes chega a confundir o espectador, posto que os personagens mais parecem sair de uma clínica psiquiátrica, e não da criação ficcional de um roteiro cinematográfico. No mais das vezes, tais comportamentos são irracionais, perturbadores, non sense, deixando-nos na posição de analista, a procura de um significado que esclareça as patologias de cada analisado. Confesso que tal postura não é fácil de ser feita, haja vista os tantos momentos que não nos dão uma ordem linear, uma contextualização extraída da linguagem lógico/formal. Aquilo que muitas vezes esperamos por antecipação, já deglutido, digerido.
Nesse diapasão, Bertolucci parece que brinca com o mundo Freudiano, como se declamasse as passagens do livro “Totem e Tabu”, levando os receptores até as fontes das raízes psíquicas da psicologia social, principalmente quando são abordadas as ambivalências sociais encarnadas nos personagens de Jeanne (Maria Schneider) e Paul (Marlon Brando), figuras centrais no drama. Numa complexa relação amorosa, os personagens tentam convencionar dois mundos paralelos: um “normal”, do convívio social, onde tudo parece estar pautado pelas normas morais (mesmo que estas por vezes pareçam imorais, isto é, ganhando uma “roupagem” nova), reforçando as teorias Freudianas, as quais os tabus servem para esconder exatamente o que a imoralidade sexual do inconsciente quer revelar, ao passo que ao mero indício de sua manifestação, é de pronto censurado pela consciência; ou melhor, tentado, já que tudo termina por se adaptar ao um novo contexto, trazendo novas manifestações do estado inconsciente à consciência social.
O outro mundo, intra quarto de hotel, é o oposto daquele. Aqui todas as fantasias sexuais são possíveis (deste que não se relevem os nomes civis); sem interditos, sem limites que demarquem o que é permitido. É desse paradoxo que aflora muitas teorias psicanalíticas, já que ao tentar incutir os desejos escabrosos dos impulsos sexuais do inconsciente – que ao meu entender é simbolizado pelo quarto de hotel, e pelas portas entreabertas que ora mostram, ora escondem os desejos sexuais – tais proibições terminam aproximando cada vez mais as “loucuras privadas” das “loucuras públicas”, tornando os atos tidos como “irracionais” semelhantes aos atos “racionais”.
Quem já assistiu, ou ainda vai assistir ao filme, consegue identificar logo no seu inicio essas extravagâncias mentais. Mas há dois momentos que eu faço questão de chamar atenção do espectador, dada a importância da simbologia empregada na cena. Uma ocorre quando, Jeanne, tendo encontros sexuais às escondidas com Paul, isso por ela ser noiva de Tom (Jean-Pierre) num relacionamento aparentemente “saudável”, ficando explicito os inconvenientes relacionais quando estes (Jeanne e Tom) se encontram no mesmo quarto onde acontece o “adultério”. Nesse encontro, absolutamente todas as falas e expressões do casal ensejam um total estranhamento entre eles, como se àquele quarto fizesse parte de uma dimensão a qual não os pertence, já que ali – principalmente Tom, em sendo ele um representante da razão social -, não poderia fantasiar as libidinosas relações que Jeanne mantinha com Paul, por não fazer parte daquele mundo; ao passo que lá fora, longe do quarto, eles poderiam se permitir a outros tipos de fantasias, digamos, mais “nobres”, porém, ressalte-se, não menos esquisitas.
Na outra cena, já se aproximando do final do filme, está acontecendo um concurso de tango e os candidatos são visivelmente “reprimidos” pelas regras e os jurados, de modo que seus rostos parecem congelados e seus corpos executam movimentos rígidos, censurados, algo parecido com os efeitos que os tabus geram na consciência coletiva, ou seja, o apelo ao abandono da natureza instintiva em prol do ideal do homem cultural, mas civilizado. É justamente nesse momento, que se misturam as ambivalências psico-sociais, quando os dois mundos que o filme trata, se misturam através do casal louco, insensato e imoral, que ao adentrarem no salão de dança onde está acontecendo à apresentação dos candidatos do concurso, causa um tumulto aponto de constranger a postura dos lúcidos, sensatos e moralmente corretos do mundo dos civilizados.
Esse é o tipo de filme o qual eu costumo classificar como: Um imbricado movimento fílmico. Ou seja, serve de material analítico para muitas áreas do conhecimento, inclusive o cinema. Por isso, pode até, em alguns momentos nos enganar, quando o que esperamos dele seria algo comparado a um “Evita Perón”, e não um problema algébrico. Enfim, sem delongar mais sobre os aspectos complexos do filme, pois não há como esgotá-los aqui, deixo registrada a minha admiração por esse grande filme, a meu ver, uns dos melhores que eu já assistir, e mais algumas perguntas acerca das provocações que ele me trouxe: Haveria uma patologia das comunidades sociais da qual não podemos escapar? Estas são necessariamente neuróticas? Até que ponto o desenvolvimento cultural consegue dominar as pulsões sexuais? Não seriam elas apenas um outro modo inavistável da condição humana?