O Último Tango em Paris

•maio 15, 2009 • Deixe um comentário

o-ultimo-tango-em-parisO Último Tango em Paris

Se há como definir em econômicas palavras – algo extremamente arriscado – o filme “O Último Tango em Paris”, não hesitaria em dizer que os traços das neuroses psico-sociais são uma marca acentuada tratada com a excelência de quem sabe o que faz. E, acrescentando, não poderia deixar de apreciar a beleza das imagens. E que imagens…! Elas são de uma composição artística que chego a compará-las a uma pintura clássica, ricas em todos os detalhes, e sempre insinuando algo que vai além delas mesma, se coadunando com as demais propostas do filme. Uma viagem lúdica, eu diria. Esse é um filme onde se misturam arte, filosofia e ciência, comprovando a tese de que o cinema é muito mais que diversão para as massas. Tamanha é a sua complexidade que às vezes chega a confundir o espectador, posto que os personagens mais parecem sair de uma clínica psiquiátrica, e não da criação ficcional de um roteiro cinematográfico. No mais das vezes, tais comportamentos são irracionais, perturbadores, non sense, deixando-nos na posição de analista, a procura de um significado que esclareça as patologias de cada analisado. Confesso que tal postura não é fácil de ser feita, haja vista os tantos momentos que não nos dão uma ordem linear, uma contextualização extraída da linguagem lógico/formal. Aquilo que muitas vezes esperamos por antecipação, já deglutido, digerido.

Nesse diapasão, Bertolucci parece que brinca com o mundo Freudiano, como se declamasse as passagens do livro “Totem e Tabu”, levando os receptores até as fontes das raízes psíquicas da psicologia social, principalmente quando são abordadas as ambivalências sociais encarnadas nos personagens de Jeanne (Maria Schneider) e Paul (Marlon Brando), figuras centrais no drama. Numa complexa relação amorosa, os personagens tentam convencionar dois mundos paralelos: um “normal”, do convívio social, onde tudo parece estar pautado pelas normas morais (mesmo que estas por vezes pareçam imorais, isto é, ganhando uma “roupagem” nova), reforçando as teorias Freudianas, as quais os tabus servem para esconder exatamente o que a imoralidade sexual do inconsciente quer revelar, ao passo que ao mero indício de sua manifestação, é de pronto censurado pela consciência; ou melhor, tentado, já que tudo termina por se adaptar ao um novo contexto, trazendo novas manifestações do estado inconsciente à consciência social.

O outro mundo, intra quarto de hotel, é o oposto daquele. Aqui todas as fantasias sexuais são possíveis (deste que não se relevem os nomes civis); sem interditos, sem limites que demarquem o que é permitido. É desse paradoxo que aflora muitas teorias psicanalíticas, já que ao tentar incutir os desejos escabrosos dos impulsos sexuais do inconsciente – que ao meu entender é simbolizado pelo quarto de hotel, e pelas portas entreabertas que ora mostram, ora escondem os desejos sexuais – tais proibições terminam aproximando cada vez mais as “loucuras privadas” das “loucuras públicas”, tornando os atos tidos como “irracionais” semelhantes aos atos “racionais”.

Quem já assistiu, ou ainda vai assistir ao filme, consegue identificar logo no seu inicio essas extravagâncias mentais. Mas há dois momentos que eu faço questão de chamar atenção do espectador, dada a importância da simbologia empregada na cena. Uma ocorre quando, Jeanne, tendo encontros sexuais às escondidas com Paul, isso por ela ser noiva de Tom (Jean-Pierre) num relacionamento aparentemente “saudável”, ficando explicito os inconvenientes relacionais quando estes (Jeanne e Tom) se encontram no mesmo quarto onde acontece o “adultério”. Nesse encontro, absolutamente todas as falas e expressões do casal ensejam um total estranhamento entre eles, como se àquele quarto fizesse parte de uma dimensão a qual não os pertence, já que ali – principalmente Tom, em sendo ele um representante da razão social -, não poderia fantasiar as libidinosas relações que Jeanne mantinha com Paul, por não fazer parte daquele mundo; ao passo que lá fora, longe do quarto, eles poderiam se permitir a outros tipos de fantasias, digamos, mais “nobres”, porém, ressalte-se, não menos esquisitas.

Na outra cena, já se aproximando do final do filme, está acontecendo um concurso de tango e os candidatos são visivelmente “reprimidos” pelas regras e os jurados, de modo que seus rostos parecem congelados e seus corpos executam movimentos rígidos, censurados, algo parecido com os efeitos que os tabus geram na consciência coletiva, ou seja, o apelo ao abandono da natureza instintiva em prol do ideal do homem cultural, mas civilizado. É justamente nesse momento, que se misturam as ambivalências psico-sociais, quando os dois mundos que o filme trata, se misturam através do casal louco, insensato e imoral, que ao adentrarem no salão de dança onde está acontecendo à apresentação dos candidatos do concurso, causa um tumulto aponto de constranger a postura dos lúcidos, sensatos e moralmente corretos do mundo dos civilizados.

Esse é o tipo de filme o qual eu costumo classificar como: Um imbricado movimento fílmico. Ou seja, serve de material analítico para muitas áreas do conhecimento, inclusive o cinema. Por isso, pode até, em alguns momentos nos enganar, quando o que esperamos dele seria algo comparado a um “Evita Perón”, e não um problema algébrico. Enfim, sem delongar mais sobre os aspectos complexos do filme, pois não há como esgotá-los aqui, deixo registrada a minha admiração por esse grande filme, a meu ver, uns dos melhores que eu já assistir, e mais algumas perguntas acerca das provocações que ele me trouxe: Haveria uma patologia das comunidades sociais da qual não podemos escapar? Estas são necessariamente neuróticas? Até que ponto o desenvolvimento cultural consegue dominar as pulsões sexuais? Não seriam elas apenas um outro modo inavistável da condição humana?

CHE

•maio 8, 2009 • Deixe um comentário

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Não resta dúvida que o filme não é apenas mais um dos estandartes sobre o revolucionário argentino, Ernesto Guevara De La Serna, mais conhecido por Che Guevara, sempre mostrado nas telas de cinema como o grande idealizador, “conquistador”, da revolução Cubana. Não se trata que no filme “Che”, isso não fique subtendido, mas me parece que, ao menos dessa fez, não foi o fio condutor da narrativa.

O filme segue a linguagem ficcional/documental mostrando em planos variados a história de como a mídia (americana) tratava o movimento guerrilheiro na ilha caribenha daqueles tempos. Por outro lado, aborda a vida dura dos “iniciados” na guerrilha, entre eles o Ernesto Guevara, mas aqui, sem tanto enaltecimento, sem dar um ar de super-homem de “O Capital”, mas mostrando o lado pré-havana com todas as suas dificuldades.

É interessante como o diretor manipula as imagens dando-as uma aparência de datação de arquivo de imprensa jornalística em alguns momentos, e retomando em outros, a “briga de enquadramento” para captar o melhor ângulo de uma imagem, como se estivesse cobrindo em tempo real os acontecimentos que acabaram de acontecer; deixando o espectador como se estivesse diante de um furo jornalístico das guerras atuais.

Me parece que não foi por acaso que tais perspectiva acerca do modo de operacionalizar a mídia, dando essa dupla visão – de quem conta, e de quem vivencia a realidade – algo propositadamente quisto no filme. Nada melhor que utilizar as mesmas armas do inimigo quando se quer passar o “gostinho” do seu próprio veneno. E no caso, a arma utilizada é o próprio comportamento dos meios de comunicação que bem conseguem ditar os rumos, se não da guerra, ao menos do que se pensa sobre ela, de forma a ludibriar os acontecimentos históricos ao sabor de interesses particulares de um grupo de pessoas. Nesse ponto o filme me conquista, pois não é fácil contra-atacar com a mesma ferramenta (o cinema) depois de terem se passados tantos anos e não cair nos comentários do “foi apenas um protesto”, “é mais um clichê”. Definitivamente, não é uma mera retaliação de quem foi ferido que fica patente no filme Che. Ele vai além do rancor ideológico de grupos políticos; é ao meu entender um esclarecimento atualíssimo de como coexistem as múltiplas verdades sobre o mesmo fato.

O filme não só apenas se propõem a descrever os fatos frios dos livros de história – isso inegavelmente faz parte dele -, mas evolui usando da sutileza narrativa e desvelando o status quo aparentemente despretensiosos. E como não poderia deixar de ser, o sujeito que catalisa tais elementos é o personagem do Che Guevara. Não obstante a sua coragem, liderança e determinação revolucionarias, surge um outro Che, menos heróico e fetichizado pelo capitalismo. O personagem é construído como alguém que está inserido num contexto histórico com as demais pessoas que se alinham a mesma causa, comprovando que os acontecimentos não se reduzem exclusivamente a algumas poucas pessoas, mas a um coletivo engajado e prontos a levarem adiante os seus ideais.

É tão inteligente a construção do novo Che Guevara, que até o que parecia ser óbvio, como uma finalização do filme pela conquista da revolução na cheganda em Havana, algo como “missão cumprida”, entretando, ele desemboca em algo ainda mais profundo: surge pela entrelinhas, um questionamento se realmente houve uma revolução realizada pelos “selvagens da america do sul”, ou será que esta pode ter sido fruto de uma criação midiática americana no intuito de resguardar os seus futuros interesses políticos; algo que legitimasse o que eles (americanos) fariam com Cuba no pós-revolução (?). Nesse momento fica algo a ser refletido, que talvez não fique tão explicito para o espectador afoito, mas que não há como negar as possibilidades interpretativas que se manifestam, principalmente quando falamos de construção de idéias ideológicas. E o que não falta no filme é justamente isto: visões ficcionais sobre fatos reais. Por tudo isso: Bravo, bravíssimo, Che!

Los Abrazos Rotos

•abril 21, 2009 • Deixe um comentário

los_abrazos_rotos_2009Mas uma vez Pedro Almodóvar surpreende com a narrativa do seu mais novo filme: Los Abrazos Rotos, 2008. Um feito que envolve um pouquinho de tudo na vida de um ser humano. Mantendo seu estilo excêntrico dos filmes anteriores, ele segue a me impressionar pela estilística empregada na captação das imagens e na criação de personagens femininos demasiadamente surreais.

Me impressiona a capacidade como Almodóvar põe à amostra as relações do ser humano com o outro, com a sociedade e o mundo. Sem duvida alguma assistir a um filme dele é se colocar diante de um divã de analista no qual são expostos os sentimentos de medo, ódio, amor, sexo, inveja… Tudo que revela o humano em nós.

Dessa forma, a arte fílmica do diretor cria uma maneira de explicar o mundo pelas emoções dos personagens. Não é a toa que um dos protagonistas – que é diretor de cinema – fica cego depois que o seu grande sonho se transforma em pó; talvez seja um modo de ver o mundo diferentemente a partir das tragédias que nos sucede. Afinal, como diz Edgar Morin, no seu livro “A cabeça bem feita”: “toda grande obra, de literatura, de cinema, de poesia, de musica, de pintura, de escultura, há um pensamento profundo sobre a condição humana”. Isso explica um pouco como age esse grande filme.

Para quem gosta de filmes que falam sobre filmes, esse é um prato cheio. Há muitos diálogos que versão sobre a estética cinematográfica, algo que me lembra os estilos noirs e a fala dos filmes do Godard, repletos de muita analise interpretativa. Enfim, um bom filme que suscita debates sobre quase tudo.

Giordano Pablo Dantas

O Direito a Troco de Banana

•abril 19, 2009 • Deixe um comentário

banana“Quanto vale ou é por quilo?”, pergunta o nome do filme do Sergio Bianchi, diretor de cinema brasileiro. Sem querer transpor a ficção cinematográfica, faço uso apenas do nome como meio ilustrativo para definir o perigo que percorre o mundo jurídico atualmente. Uma preocupação vem me afligindo nos últimos tempos, qual seja a de que os cidadãos estão fazendo uso dos meios jurídicos, não para pleitearem uma solução para os seus conflitos, mas para se oportunizarem dos pseudo-conflitos a fim de ganhar um trocadinho para si.

Tendo contato com as informações do mundo jurídico, ultimamente me dei conta do grande número de demandas que encharcam o nosso judiciário com causas banais, com o perdão da palavra, fúteis mesmo. Pedidos que muitas vezes poderiam ser negociados entre as partes – e caso estas tivessem a noção da real função da justiça – ajudariam a desafogar o grande numero de processos que os magistrados vêm sendo forçados a julgar de modo mais rápido, e muitas vezes sem o devido cuidado, dado a falta de tempo. Justiça, direitos e garantias fundamentais são coisas sérias, inobstante por vezes não o pareçam.

Enquanto pessoas buscam se gratificar financeiramente procurando a justiça com problemas cuja problemática gira em torno do furto de galinha, crime ambiental pela morte de um tatu, um jogador de game que se sente ofendido pelo resultado do jogo e pede reparação por dano moral; tudo numa mesma crença: “não custa nada mesmo, irei incomodar o réu”. Cabe ressaltar que este tipo de atitude é a que podemos chamar de “delinqüência processual”, e não o fato de não querer dar provimento a qualquer tipo de demanda.

Contudo, enquanto há pessoas querendo litigar por problemas diminutos, há pessoas que sofrem aguardando a prestação jurisdicional, por terem problemas com a vida, a liberdade e o patrimônio.

A pergunta que me faço é: será que é justificável a aceitação de toda e qualquer demanda posta em juízo? Parece-me que não. Já estamos passando da lógica do bom senso e banalizando o sistema jurídico. Não podemos fechar os olhos e achar que todos os problemas necessariamente se resolvem por via processual. Da maneira que estamos evoluindo, este tipo de cultura da “Moeda de Troca”, no direito, já está causando uma serie de injustiças sociais. Assim como está, é inviável dar conta de tantas demandas. Faltam juízes, promotores, defensores públicos, enfim, toda a infra-estrutura para abraçar as necessidades de todos, torna-se insuficiente.

A lógica atual é agir nas conseqüências, ou seja, aumentando o numero de servidores públicos – algo nunca alcançável -, tendo em vista o vertiginoso numero de litígios. A evolução dos fenômenos sociais é por demais veloz, e o direito, como uma ciência que tem como finalidade a busca da ordem social, deve dar aos cidadãos uma justiça mais equânime e célere por meio de mecanismos que viabilizem tais expectativas. A melhor alternativa para desafogar o judiciário, hoje, seria fomentar a utilização da arbitragem de forma mandatória e não apenas como uma mera prerrogativa das partes.

Sem querer entrar no mérito da questão sobre a melhor estrutura da arbitragem – algo que abordarei em outra oportunidade – o fato é que as pessoas necessitam amadurecer e tomar consciência de que acionar a justiça é algo que se deve fazer em casos que não seria possível solucionar de outra maneira. Lembremos dos tempos de escola: quando nos envolvíamos em alguma briga com colegas, a professora entrava como uma conciliadora apaziguando os ânimos e solucionando o conflito. Poucas brigas chegavam à diretoria, grande parte delas era resolvida pelos próprios sujeitos envolvidos. Por que não aplicamos formulas tão simples como essa?

Finalmente, os operadores do direito não podem se sujeitar ao fomento perverso, sem que ocupe o lugar de limite, passando a ser um gestor de acesso ao gozo individual na busca de um trocado, uma renda financeira. Temos que restaurar a seriedade e a credibilidade da justiça antes que ela vire uma feira de sentenças. Abaixo ao direito a troco de banana!

Giordano Pablo Dantas

A Necessidade de Não Ter Sentidos

•abril 19, 2009 • Deixe um comentário

Queria viver em um mundo no qual não teria que ser cogentemente vítima dos meus sentidos visuais, olfativos, auditivos e sinestésicos. Seria de bom grado ter um mundo só meu, um que não me expusesse às agruras externas, viciadas em me afetar com tudo o que eu não queira saber. Desejaria mergulhar nas minhas desinformadas informações sempre que me oferecessem os furos da última hora sem me sentir diminuído por não estar à frente de tudo que acontece. Nestes momentos quisera ser cego, de maneira que não conseguisse enxergar, um surdo que não conseguisse ouvir, um doente de hanseníase que não sentisse o toque sobre a sua pele, um fumante habitual que já não conseguisse sentir os sabores originais dos alimentos. Tudo aparentemente sem sentidos.

Fico imaginando o meu mundo sem as novelas das uma, duas, três, quatro, cinco seis, sete, oito…; sem o “Domingão do Fofão”; não tendo o “Fanático” com suas manchetes exclusivas sobre o ultimo caso de corrupção – e como se orgulham disso! -, nem o “Jornal National Geographic” com direito a exibição de todos os bichos do zoológico da selva Brasil.

Nossa! Seria um paraíso não acordar de manhã e me deprimir com as dicas utilitárias da “Ana Maria Brega”, e me angustiar tentando entender o transtorno de personalidade da vovó chuchu e pepino – por que ela insiste em ser uma eterna criança? – e, como se já não bastasse, entro de vez em depressão profunda com o iniciar do esporte bola quadrada. Meus dias seriam muito mais felizes sem passar por isso, sem dúvida.

Mas as minhas inconformidades não estão adstritas apenas aos programas veiculados na imprensa televisiva – infelizmente-, mas residem em outras áreas violadoras da paz interna. Por exemplo: não é difícil imaginar uma sala de colégio ou faculdade sendo conduzida por um professor “metido” a ancião, o único oráculo do saber, que faz de conta que está transmitindo algum conhecimento (em slides) enquanto os alunos simulam que estão aprendendo. Um verdadeiro jogo de faz de conta.

Outra situação que chega a ser vexatória são as obrigatórias reuniões de família. Encontrar pessoas que não podemos recusar a fala, um abraço, um beijo, é por demais escravizante, ainda mais sabendo que depois que houver algum direito sucessório a ser pleiteado, todos os vínculos consangüíneos serão um mero artifício na busca por um patrimônio.

Ah, que maravilha o mundo dos cegos, surdos, dos sem paladar, dos que não sentem o toque. A doença que não se sente. Nesse mundo solitário, viveria contente longe de toda gente no fundo do meu mar. Se pudesse renunciar aos sentidos, não pensaria duas vezes para extirpá-los ainda hoje. Não quero o mundo ideal, só o melhor.

Agora me desculpem, mas não posso mais escrever. Vou ler!

 

Giordano Pablo Dantas

Emoção Artificial

•abril 19, 2009 • Deixe um comentário

smileyQuero avisar que tenho uma forte sensibilidade para expor todos os sentimentos que alguém pode expressar. Posso sorrir, chorar, ficar confuso, alegre, triste, feliz, com medo, bobo, distraído, confuso, amar, odiar, tudo instantaneamente e sem a menor dificuldade de não ter motivações para tanto. Sou um criador de sentimentos; se quero, posso extraí-los sem grandes dificuldades. Vivo exalando sentimentos cuja utilidade maior é a de fazer com que as pessoas saibam como me sinto, sem ter aquela onerosa exigência de verbalizar em palavras como estou. E para isso tudo nem necessito mover um único músculo facial, ou estar genuinamente encharcado de emoção para transmitir com facilidade e rapidez algo que posso fazer com um simples apertar de teclas. É tão módico ser sensível que não tenho nem que me fazer presente em matéria, bastando apenas pressionar botões e escolher o que sinto.

Muito prazer! Sou os smile faces. Sou o bojo das emoções na era artificial. Se quer ser bem aceito no mundo virtual, é premente a minha utilização, caso não queira se tornar um afásico da rede. Sendo, sem ser, é uma das minhas características básicas, uma existência inexistente que representa estados de ser. Quem pode afirmar que eu não sou o maior signo da modernidade? Toda a humanidade me entende; independentemente de cultura, faço fluir uma comunicação. Afinal, sorriso, alegria, tristeza, medo, são sentimentos que não são particulares de nenhum povo em específico. Ou será que existe alguma tribo que sorri chorando, ou chora sorrindo? Sou expressão universal, absoluta, embora poucos tenham acesso a mim.

Hoje me manifesto de varias formas, já perdi aquela ingenuidade de outrora, quando ficava restrito a carinhas teatralizadas. Agora faço uso de imagens mais elaboradas, e por que não dizer, sexualizadas. Insinuo-me através de imagens por vezes agressivas, alimentando todas as vontades de interlocução até mesmo dos tímidos, temerários e temidos. Só é autista depois de mim quem quiser. Quer gritar? Eu grito. Quer beijar? Eu beijo. Só não exalo cheiros ainda.

A minha inserção é tamanha que já estou eliminando a necessidade de contatos físicos entre as pessoas, pois é muito mais fácil e seguro me utilizar a ter que enfrentar todo o desconforto de se ambientar com espécimes distintas, que de tão estranhas, tornam-se um perigo iminente. A realidade aparente de poder se expressar, trás em si uma falácia sentimental, conquanto não deixa margem para o contato real, carnal. Como um toxicomaníaco, no inicio tudo parece inofensivo, cheio de prazeres que elevam a sensação de que tudo se pode, tudo se consegue quando estou nas rédeas das emoções. Tudo se realiza de maneira que consigo controlar todos os estados sentimentais. Sou a nova fórmula para os antigos problemas de convívio, é possível controlar as pulsões sem recorrer a psiquiatras, psicanalistas, psicólogos e psicotrópicos. Para quê ir ao parque forçar sorrisos que foram olvidados quando se pode ficar no computador ou no celular conectado a web sem correr o risco de ser misantropo. Não, é melhor me usar, sou muito mais seguro e correspondo exatamente o que esperam de mim.

Abandonem as coisas demasiadamente humanas, isso é algo que não traz nenhuma integração social. Viva como se o mundo fosse um monitor de LCD, o único capaz de controlar os transtornos bipolares tão renegados pelo mundo humano. Seja um usuário dos sentimentos fáceis e práticos. Não busque descartar tempo tentando explicar como se sente, é melhor escolher algum e enviá-lo antes que te condenem a pena do esquecimento, da insignificância daqueles que não conseguem se emocionar. Esbanjem sorrisos, beijos, sustos, abraços, lagrimas, uma completa miscelânea de tudo que se quer transmitir. Todas as interações agora são de minha competência. Seja alguém legal, e não tente ser simpático fora do quarto.

Giordano Pablo Dantas